Sobre o verdadeiro pecado!

Sobre o verdadeiro pecado!
"O primeiro pecado da humanidade foi a fé; a primeira virtude foi a dúvida." Carl Sagan

sábado, 29 de novembro de 2008

Auto-engano

Auto-engano

Engana-se quem acha que engana alguém. Os homens se deixam enganar porque desejam, consciente ou inconscientemente sê-los. Porque esperam demais e ouvindo do outro, muitas vezes, o que desejam acabam enganados. (Ora, como é fácil ludibriar afetivamente alguém: Basta sentir o que ele deseja ouvir e dize-lo!)
Existem, digamos, os estelionatários sentimentais, todavia a vítima do estelionato, via de regra é provocadora, possui, por trás de sua aparência inocente um viés de “esperto”, não à toa cai em certos contos esperando obter algum “lucro”.
Na vida afetiva do homem também: Existem relações tolas que seguem determinado rumo porque um dos dois, por carência ou qualquer problema afetivo semelhante, deseja “algo”, e o outro oferece algo (se não igual, semelhante “àquele esperado”) causando a entrega, o bem querer alheio.
Ah, ele foi “enganado” mesmo? Creio que não. Ele se deixou enganar baseado em seus ideais, sonhos e pouca análise da realidade, pouca inteligência e, digamos, muita vontade de ser “esperto”.
No fundo, o homem se engana sozinho, se deixa ludibriar sem perceber, ele é e sempre será vitima de si mesmo, o outro pode dar um empurrãozinho, mas quem sai correndo em busca de um “não sei o que” é aquele que, depois, vem afirmar que foi “enganado”.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 29 de novembro de 2008
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Os litígios nas Varas de Família

Os litígios nas Varas de Família

As piores relações, as piores brigas, jurídicas ou não, são as que envolvem amor frustrado, recalques, desdém proveniente de alguma frustração afetiva. Diga-se: Frustração que o próprio frustrado cria.
Como advogada é nas audiências de Vara de Família que encontro em exposição as atitudes mais lamentáveis, precárias e vis do ser humano, onde o nome de uma criança, onde a existência de uma criança, por exemplo, é usada para magoar, frustrar ao outro. Como vingança, enfim, das mais variadas (lamentáveis) formas.
Em casos de família há o ódio por trás do amor, e este é o mais vil e perigoso dos “ódios”. Se em problemas criminais, agressões, homicídios, encontramos, de regra, o desprezo explicito, nas brigas de Vara de Família o desprezo vem à tona após algum sentimento que, em determinada época, era tido como bom, como salutar.
Sentimentos recalcados, frustração, sensação de traição, de impotência, ódio pós amor, todos os sentimentos que mechem com a parte mais humana e mais profunda do ser humano estão, de certa forma, colocados a prova em determinados litígios. Paixões mal resolvidas, questões que um Juiz tem que administrar, e o Promotor aconselhar quase como psicólogos, enquanto os advogados tentam (também sendo um pouco “estudiosos da mente humana”, mas com pouco sucesso) segurar a animosidade dos clientes.
E é assim que concluo que o homem e as frustrações que ele mesmo cria por esperar do outro determinadas atitudes, por criar sonhos muitas vezes sozinho, por não conseguir administrar perdas e aceitar que às vezes o que poderia dar certo, não deu, fazem das brigas de Direito de Família as mais baixas e vis que um ser humano, profissional do Direito, ou não, podem ver.
Porque mal estar afetivo, frustrações, romances findados, problemas conjugais, ira, cólera, recalques pós “amor” já são delicados dentro de consultórios de psicólogos e psiquiatras, dentro de um quarto, de uma sala, de uma casa, mais delicados se tornam quando levados ao Judiciário, envolvendo terceiros e a Justiça, enquanto ideal para resolver coisas que, esta sim, ideal racionalidade humana e ponderação, não conseguiram resolver.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 29 de novembro de 2008.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Auto-diagnóstico

Auto-diagnóstico

O primeiro passo para a cura é o diagnóstico. Nenhum médico consegue tratar um paciente sem saber o que ele tem, e nenhuma pessoa pode se direcionar a um especialista sem, ao menos, "desconfiar" de qual "tipo" é o mal estar que possui.
E é assim na vida humana: O primeiro passo para nos livrarmos de nossas amarras emocionais, bloqueios, medos, traumas, receios, enfim, limitações (comumente chamados de "defeitos") é tomarmos consciência deles.
O difícil, para a maioria, é chegar neste ponto: No de se auto-analisar, de fazer um balanço da própria vida, do que se fez, do que se deixou de fazer, de como se agiu com os outros,de como eram as pessoas que passaram, de como se age no presente e como são as pessoas que estão em sua vida no agora.
Todavia, é preciso uma virtude extremamente nobre para executar esta tarefa, virtude que nenhuma faculdade, especialização, mestrado, doutorado, ou alto valor em dinheiro pode comprar ou dar: Humildade de espírito.Confessar no silêncio de sua própria alma, sem tentar justificar culpando a outrem, as suas próprias fraquezas é um ato praticamente divino. Afinal, apenas assim, com consciência de si mesmo, com o "auto-diagnóstico" anotado na sua essência o homem pode ser capaz de mudar, ou ao menos, de procurar ajuda para tanto.
Muitas vezes, uma pequena mudança, alguns detalhes, operam milagres no bem estar humano. Difícil, para o homem é chegar até a sua auto-percepção. É preciso a virtude mencionada e muita maturidade, mas o certo é que, neste mundo, pelo amor ou pela dor as pessoas estão fadadas a evoluir, a melhorar enquanto seres inerentemente errantes.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 27 de novembro de 2008.

O promotor homicida



O promotor homicida
Existem coisas que me assustam, que apavoram, não apenas como advogada, mas como ser humano, como mulher que, um dia, quem sabe, será mãe. Como profissional do Direito atuante na área criminal talvez devesse me calar, mas, com as escusas de meus sócios e colegas manifesto minha indignação.Foi com lágrimas nos olhos que recebi a notícia de que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo absolveu o promotor público que, em 2004, após um Luau matou um jovem e tentou matar outro porque “mexeram” com sua namorada.Com salário e posição profissional garantida o promotor homicida comemorou a decisão, ora, tirou a vida de um jovem que cometeu um ilícito: “Falar alguma besteira para sua namorada virginal”. Um homem desequilibrado, sem o mínimo de autocontrole teve sua absolvição dada por unanimidade pelos desembargadores paulistas, cuja coerência lógica de idéias me suscita desconfiança.Doze tiros dados contra os jovens, até onde se ouviu falar inexistem provas de que ele estaria na iminência de ser "tão" agredido a ponto de precisar efetuar excessivos disparos, guiado certamente por sua fúria. Legitima defesa? Poderia ter ocorrido, mas com 12 tiros? Não haveria, no mínimo um "excesso" nessa legítima defesa? Mas, absolvição!?Sinto pela mãe do jovem, sinto pela sociedade que sabe, no fundo que se o acusado fosse uma pessoa qualquer que ganha um salário mínimo e depende de Defensor Público e de seu nobre esforço restaria condenado.Condenado em Plenário de Júri, por quem afirma ser “Promotor de Justiça”, esta mesma profissão do cidadão que disparou 12 vezes contra rapazes, por um motivo tolo, por falta de controle de seus próprios atos, e, o que continua sendo lastimável: Continua em seu cargo. Que País é esse? Que ideal de justiça a sociedade brasileira pode ter?Que o povo tenha esperança, e que ela não morra jamais, ou, ao menos, não tão cedo como o jovem atleta que foi assassinado por quem, algum dia ousou afirmar que promove a “justiça”.
Cláudia de Marchi
Passo Fundo, 26 de novembro de 2008.

Postado às 21:19.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Ter alguém?

Ter alguém?

Ter alguém? Nunca ninguém terá ninguém, porque o alguém é a alma que possui e esta não se deixa prender, o que podemos cativar é o prezar de alguém, o que podemos conquistar é o coração de alguém, o seu respeito, a sua admiração, e por fim, o maior de todos os sentimentos: O amor.
Não é qualquer um que nos faz amar, assim como é raro o amor de verdade em época onde aparências, status, onde o próprio comodismo, a carência e a falta de amor próprio andam imperando na mantença dos relacionamentos. Relações passatempo, relações entre carentes, relações mantidas pelo medo da solidão, do risco. Relações nascidas abortadas.
Felizes os que têm o amor de alguém. A admiração, a mão estendida na hora necessária, a confiança, o abraço de conforto, o perdão pela pequena gafe, o respeito, a consideração, um bom diálogo, uma boa sintonia e interação. Difícil é justificar o que nos faz amar alguém, se apaixonar, quiçá seja mais fácil explicar o que faz a paixão e o bem querer esmorecer.
Perda de admiração, de respeito, erros que vão além de gafes, a própria baixa auto-estima e autoconfiança do outro esmorece um sentimento. É quase impossível amar sem se amar, é também, impossível admirar e, portanto, amar quem não nutre amor e respeito por si próprio.
De resto, curtir uma paixão, um romance bem vivido, conversas, diálogo, e tudo que pode se tornar (ou é) o prelúdio do amor, é algo que apenas os românticos pós-modernos sabem valorizar. Românticos que desejam um objeto real, vivido, sem amarguras, sem sofrimento, um amor maduro, saudável, esses são os “românticos pós-modernos”. Viver, bem viver e gozar a vida, e, quiçá conseguir a conquista de um bom coração, é a ambição de qualquer homem.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 26 de novembro de 2008.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Pegação

Pegação

Quão rara esta a vontade de amar nos dias de hoje, a vontade de viver um amor puro, romântico sem ser triste, doce sem ser enjoativo, carnal sem ser vulgar, interativo ser monótono, simples sem perder o doce mistério que envolve duas pessoas que se desejam, e, bem ou mal, provém de mundos e vidas diferentes.
A maioria das pessoas quer amores descartáveis, aquilo que não se pode chamar de amor, mas de “pegação” (e é como, de fato chamam). Hoje o “Fulano pega a Sicrana, que ontem pegou o Beltrano”. Pegar é transar, é sair com o intuito de fazer sexo, é encontrar na balada, conversar um pouquinho e acabar num motel.
É ir embora sem ter ganhado em sentimento, sem ter trocado afeto e quiçá um bom diálogo, é ir pra casa com a certeza (ou quase certeza) de um orgasmo que findou com a relação (?) entabulada. E assim o verbo amar, respeitar, a conjunção “querer ter alguém” vai ficando de lado, as pessoas vão se acostumam a serem e terem todos sem doar o coração a ninguém. E, muitas vezes quando desejam faze-lo, perdidos que estão no mundo da liberdade que virou libertinagem, não encontram o que desejam. Seguem a sós.
O vazio vai predominando, e aqueles poucos que ainda desejam viver um amor, gozar um amor e não apenas uma relação de cama e simpatia vão se tornando exceções, vão sendo os “insanos” no mundo das facilidades, do sexo fácil, das pessoas descartáveis, onde o risco esta no fato de que, na medida em que se descarta a possibilidade de vivenciar relações sérias, os homens acabam por descartar e malbaratar a própria dignidade.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 26 de novembro de 2008.

A paz e a alma humana

A paz e a alma humana


Como pode o homem desejar da vida paz, tranqüilidade e calmaria? Como pode desejar permanente serenidade, alegria e sensação de auto-realização? A vida não propícia paz constante, a vida é movimento, situações inconstantes como o bater de nosso órgão vital.
Constante é aquilo que é parado: Um coração morto. O coração do homem vivo, tal qual tudo ao seu redor bate, se agita, ora lamenta, ora se reanima, ora se debate, se confunde, se perde de si mesmo. Lentamente bate, reflete, encontra a si mesmo e dentro dele, em seu intimo, as respostas para o que procura. E, assim sente paz, sente o gozo da alma, o sossego.
Não é tão possível ter paz na vida, como é possível ter paz de espírito. "Eu estou em paz comigo mesmo". A sensação de saber que se agiu com justiça, com equilíbrio, de acordo com a própria consciência (vez que, se Deus existe, é nela que ele habita), não tem preço, e seu mérito faz qualquer pessoa suspirar de alívio, de alegria, de exaltação.
Ora, mas o que seria um agir justo? Muitos filósofos já disseram, mas, distante deles eu digo, que agir com justiça é agir com uma proporcionalidade qualificada, é dar a cada ação uma reação, mais aprimorada, mais racional. É tentar, mesmo diante da adversidade não fazer ao outro o que não deseja para si. Não fingir "falso amor", não deixar o outro se iludir, não enganar, não dar falsas esperanças, não humilhar, não espezinhar. É possível agir sempre assim? Não, e é por isso que desejar da vida uma paz constante é algo impossível. É algo que vai além do ser, de ser humano.
O homem cria situações de adversidade, em especial porque o aprendeu, com sua cultura, a cultivar a culpa, a responsabilidade pelo que vai além de sua alma, o que o faz prende-lá e o impede de ser feliz. Alma tranqüila, alma feliz é alma livre, liberta de paradigmas inócuos.
Ninguém que é livre na alma e sincero no coração pode se sentir culpado quando, podendo, fez o possível para que a vida tomasse um rumo diferente. A culpa é típica de um ponto de vista de quem esta tentando fugir da alegria de ser feliz livre na alma, no espírito, livre para estar só ou acompanhado, mas para poder, ao deitar-se suspirar aliviado na boa companhia de uma consciência que procura, ao menos, descansar em paz.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 25 de novembro de 2008.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O peso da frustração

O peso da frustração

Sabe aquela dorzinha que às vezes a gente sente na alma? Delicada como uma alfinetada, outras vezes forte como se fosse uma faca a nos cortar por dentro? Ela se chama frustração.
Ninguém termina sociedade, ninguém se desfaz de planos, de negócios, de bens materiais, de namoro, de casamento sem senti-la. A frustração não depende de “quem se encarrega” de decidir pelo fim, pelo sim, pelo não. Ela é de todos que por algum motivo se colocam diante de uma mudança na vida.
No universo da vida temos nossa dose de responsabilidade, essa é uma pequena dorzinha dos viventes. Não têm como fugir: Nossas decisões devem ser pensadas, repensadas, porque, bem ou mal sempre irão repercutir em nossas esperanças, já em fase de frustração, e nas de outrem, que irão frustrarem-se.
Viver é, sem duvida, assumir o risco de ser feliz, de mudar, de ir atrás, e, inclusive, de chorar a dor de uma frustração, de se magoar, de se decepcionar. De estranhar o fim, de querer regredir, de voltar atrás de sonhos perdidos que, muitas vezes, não se reconstroem mais. Viver é se sujeitar as agulhadas da frustração.
Se é triste? Se é doloroso? Sim, sempre. Abrir mão de planos, de desejos que outrora eram vivos, abrir mão do que se sonhou e imaginou, da companhia que era tanto prezada, abrir mão de metas, de anseios, de desejos é como enterrar num cemitério secreto que temos na alma as nossas dores, arrependimentos e ela, a simples e doída frustração.
Ela fica lá, enterrada, um dia pode ser lembrada, mas não com tanta dor. O tempo se encarrega de enfraquecê-la, o tempo e o doce caminhar da vida se encarregam de nos trazer outras doces esperanças, oportunidades e sonhos. Não podemos é ter medo de enfrentá-los, porque a pior das frustrações é a do covarde que, podendo aproveitar novas oportunidades quedou-se silente diante da vida.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 24 de novembro de 2008.

Medo?

Medo?

Por mais que o homem almeje ter uma vida linear, interiormente tranqüila, em completa paz e conforto psíquico, eis algo além dele que irá impedi-lo: O simples fato de ser humano. O homem pode conseguir uma relação afetiva equilibrada, uma profissão e carreira confortáveis, todavia, desconfortos existenciais, das mais variadas formas sempre irão existir.
O homem é um ser em constante estado de evolução, e a dor, o desconforto, a ansiedade, ainda que com seus atributos negativos, são e sempre serão a melhor forma de guiar o homem para seu destino: A maturidade, o crescimento pessoal.
Logicamente que nem todos sentem a frustração, a dor inerente a necessidade de agir, de fazer nascer uma relação, de matar outras. Existem os que passam a vida em brancas nuvens, sem sentir dor, nem o prazer profundo de, desvelando o desconforto, descobrir a tranqüilidade. Não a eterna tranqüilidade, mas aquela que vem com mérito da auto-superação, do auto-conhecimento.
Superar os vícios emocionais, os apegos, ir além da carência, da solidão, ir além do medo de ferir, de magoar, de ser magoado, ir além do medo de se entregar, de sofrer, significa viver. Porque a vida é um risco: Podemos ter medo dos sentimentos, dos buracos onde podemos nos colocar em busca de algo diferente, de algo a mais para nos completar a existência intima, mas não devemos ter medo de viver. Se tivermos e cultivarmos este medo, teremos medo de arriscar, e, quem não arrisca, infelizmente, não vive.
Podemos temer as conseqüências de nossos atos, o rumo que escolheremos para nossa vida pode nos assustar, mas o viver em si, jamais pode nos amedrontar, porque todo medo bloqueia e o medo de viver mata aos poucos aquele que acha que esta vivo.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 24 de novembro de 2008.

Palavras cruéis

Palavras cruéis

Todos temos muita responsabilidade pelo que falamos, de nossa boca saem elogios, de nossos lábios saem palavras que despertam apreço, carinho, afeto, mas também saem outras que despertam fúria, desdém, asco. Saem palavras capazes de causar no coração alheio ferimento que nem mesmo uma espada ou uma faca podem fazer num corpo.
A ira, a raiva, explicam blasfêmias, explicam chutes na parede, arremesso de objetos, lágrimas, mas não justificam afirmativas cruéis com quem não as merece. Ter raiva, embravecer, todos podemos, mas ser cruéis, humilhar, pisar no outro ninguém deve, ao menos que o faça assumindo o risco: O risco de perder o apreço do outro.
Assim como precisamos cuidar ao trafegar de carro em rodovias perigosas, freiar antes das curvas, diminuir a velocidade, sermos prudentes, precisamos aprender a usar as palavras com prudência, a se colocar no lugar do outro antes de lhe dirigir uma ofensa, e, principalmente a ouvir com atenção o que o outro expressa antes de nos manifestarmos, porque podemos entender errado, errar a estrada e causar um dano letal.
Auto-controle, capacidade para pensar antes de falar ou fazer algo são virtudes nobres num mundo onde a desonestidade e o desrespeito estão imperando. Respeitar o outro é a única forma de exercitar o preceito cristão de "amar uns aos outros", e, cuidar com o que falamos, em especial para quem amamos ou pretendemos cultivar o amor é essencial, porque assim como as palavras encantam, elas matam a admiração, assim como criam o entusiasmo, criam a mágoa, a dor. É preferível calar a arriscar falar o que não se deve.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 20 de novembro de 2008.

domingo, 23 de novembro de 2008

A decepção das mães

A decepção das mães

Poucas coisas são tão mágicas e encantadoras quanto a maternidade. As mães se duplicam ao terem filhos, não bastam as suas mazelas a lhes afetar o coração, cada ofensa, cada injustiça, cada pisada no calo de um filho dói nela na mesma proporção.
Só que as mães amam seus filhos e quando, por exemplo, eles sofrem por amor, ou melhor, por amor ninguém sofre, as pessoas sofrem pelo desrespeito, desconsideração, ou, isto sim, pelo desamor de quem amam, as mães se sentem atordoadas, desoladas, porque, no fundo, nada podem fazer. Seus filhos são livres.
Os filhos sofrem, padecem, mas podem amar, podem perdoar, e, as mães (pobres mães) mesmo vendo as lágrimas rolar do rosto de seus filhos, mesmo querendo que aquele que lhes fez sofrer desapareça do mundo, aceitam o sentimento de seus rebentos, a quem tanto amam. Aceitam, com dor no coração o perdão que possam vir a dar.
As mães sofrem pelo filho solteiro, que dorme cada noite com uma mulher, que sai direto, enche a cara e por uns instantes se entrega a ilusão de que a vida é uma festa, as mães se preocupam com a vida profissional dos filhos, desejam que eles amadureçam, estabeleçam família, vivam em paz.
As mães sofrem e se frustram porque esperam demais o bem para seus filhos, que, muitas vezes, precisam sofrer para crescer, para amadurecer, para ver a vida e o mundo com outros olhos. Mas, ainda assim, cada vez que olho para a decepção do olhar de uma mãe sinto compaixão.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 23 de novembro de 2008
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sábado, 22 de novembro de 2008

A paz no amor

A paz no amor

Todos podem dizer o que desejam de um relacionamento, paixão, parceria, cumplicidade, companheirismo, mas, o essencial de tudo, é se relacionar com paz, com quem lhe dá paz.
O bom é ter uma relação linear, baseada no respeito, no diálogo, no “colocar-se no lugar do outro”. Só amar não basta, é preciso querer ficar com o outro, é preciso querer ter paz entre quatro paredes e fora delas.
Ter paz é poder saber que você pode dizer o que deseja, falar de teus sentimentos e quiçá lamentos e que o outro vai ouvir, mesmo sem precisar concordar, vai entender, quem sabe te dar um braço, compreender seus anseios, desejos.
Ter paz é não sair gritando, ofendendo, magoando quando se pode ponderar, se colocar no lugar do outro, ter paz é poder dormir cansado, exausto, mas de mãos dadas e pernas entrelaçadas com que se ama.
Todo mundo quer amar, quer um amor, mas um amor em paz, um amor com paz, com carinho, com confiança mútua, com respeito mútuo, com admiração entre amos, e, principalmente, ponderação na hora da ira, porque existem palavras que machucam indelevelmente a alma alheia.
Todos, como Cazuza, querem “a sorte de um amor tranqüilo, com sabor de fruta mordida”, um amor em paz, sem guerra, sem desrespeito, sem pequenas implicâncias ou desconfiança, uma relação madura, saudável, agravável. Felizes dos que tem uma relação assim, esperança aos que ainda não a encontraram.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 22 de novembro de 2008.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Das garrafas descartáveis às relações humanas


Das garrafas descartáveis às relações humanas

Estava me recordando das garrafinhas de vidro de refrigerante que eu segurava com todo cuidado quando criança para não quebrar porque elas tinham valor pecuniário. Não era só o liquido gostoso que a gente usufruía, nós precisávamos cuidar do material sólido e caro: Da embalagem. Com o passar do tempo inventaram as embalagens de plástico - basta tomar e arremessar no primeiro lixo que encontramos. Não corremos o risco de quebrá-las, e nem precisamos guardá-las. Assim como os vidros dos refrigerantes foram substituídos por embalagens descartáveis, os relacionamentos duradouros e com uma seqüência correta e lógica foram substituídos por relações fulminantes, desorganizadas e frágeis.
As pessoas tornaram-se descartáveis. A falta de auto-estima e a carência transformaram os relacionamentos humanos que, certa vez eram sólidos como o vidro em peças leves e insignificantes como o plástico. Nós aproveitamos o melhor de uma relação e depois terminamos, pois no fundo não temos paciência para vivermos os bons e maus momentos com alguém, assim quando começamos a conhecer o outro e ver seus defeitos findamos a relação que pode ser considerada evoluída se chegar a tal ponto vez que, na maioria das vezes são tão baratas que começam e terminam em camas desconhecidas. Nós desejamos apenas o liquido saboroso não queremos saber da fórmula do conteúdo.
Se em relação as embalagens de refrigerante a invenção das de plástico demonstra evolução, o aumento de relações frívolas demonstra uma regressão do ser humano que julga-se racional, mas parece incapaz de refletir. Afinal, se o ser humano cria relações descartáveis, desde relacionamentos sexuais fugazes até casamentos relâmpagos como os da tosca patuléia artística, torna-se de igual forma descartável, e, admitam ou não, o que é descartável não merece ser valorizado.
As amizades não são mais reais, nós não possuímos amigos verdadeiros posto que nem mesmo nós somos nossos amigos vez que, para que exista amizade e amor é preciso a auto-estima e a nossa anda muito "em baixa". Enfim, existem "pseudo-amizades": mantemos um círculo de pessoas que desejam apenas divertirem-se em nossa companhia, e quando temos problemas despistam, pois não desejam "nem saber". Fecham-se para nossos problemas e fecham os deles para nós. Não querem comprometer-se, mas apenas ficar na superficialidade de conversas inúteis e reuniões e jantares fartos de comida e pobres de sinceridade e envolvimento. São amizades "descartáveis" que, diante de companhias mais "agradáveis" (fúteis?), um dispensa o outro e termina a "diversão".
Para que uma relação não se torne substituível, enfim, descartável é preciso que nos valorizemos a ponto de não desejarmos despender nossas boas energias com algo que constatamos ser vão.
É preciso que, nos estimando passemos a respeitar o que é valoroso e não fútil, o que pode ser duradouro e sério e não perene e vazio. Porém, graças ao nosso pouco amor próprio vamos nos imergindo em um jogo de futilidades trazidas de nossa vida material para nossa vida pessoal, e assim aumentamos o numero de nossas relações sem notarmos que somos tão vazios como elas. Não temos coragem para nos auto-conhecer e para nos deixarmos conhecer de forma que, aceitando-nos, passemos a aceitar o outro se algum (bom) sentimento ele nos desperta.
Infelizmente agimos como se tivéssemos pressa de viver e nos esquecemos do brocardo : " A pressa é a inimiga da perfeição". Nos tornamos descartáveis porque frágeis e com pouco valor como o plástico das embalagens de refrigerante. Queremos o sabor doce mas não a responsabilidade de zelar pela relação que adoça nossa vida. Queremos algo sério, mas não possuímos a maturidade necessária para deixar o tempo passar conhecendo e deixando o outro nos conhecer sem enfeites, sem maquiagem, sem vestes belas, para que, talvez, dele passemos a cuidar, pois, ainda que imperfeito como nós, ele merece ser valorizado.


Cláudia de Marchi

Passo fundo, 13 de junho de 2005.

Óbvio?



Óbvio?

Ontem eu havia acordado após um salutar sono vespertino, e, acompanhada de algumas pessoas assisti por breves instantes em um canal televisivo uma mulher que se tornou conhecida no País inteiro por dar palestras sobre como uma mulher deve agir para seduzir um homem, sentir-se bela e competente, e algumas maneiras para reforçar a autoconfiança de algumas para, com isso, sentirem-se "destemidas" em seus relacionamentos afetivos, ou meramente sexuais.
Obviamente a existência daquela mulher, morena, porém sem muitos atrativos físicos, sem um corpo exuberante, sem lábios carnudos e, aparentemente, sem ter se entregado a dupla "silico-lipo" suscitou comentários negativos nas mulheres presentes no ambiente. Diziam que ela falava o "óbvio", e "como seria possível alguém ganhar tanto dinheiro" (como se soubessem o quanto a dita conselheira ganha por mês) falando o "óbvio"? Bem, eu ora silenciei, ora erigi-me em defesa da simpática mulher que não tem beleza marcante, mas tem a marca que as poucas pessoas fortes possuem: Auto estima e inteligência emocional.
O "óbvio" para alguns é um tesouro escondido no mais recôndito da alma de outros e, quiçá dos petulantes que chamam aquilo de "óbvio" porque nunca vivenciaram determinada situação, porque falar algo na teoria é bem diferente de vivê-lo na prática, assim como os romances narrados em livros ou no cinema são bem diferentes dos romances reais. Assim aquele "óbvio" é algo difícil de se encontrar, e aquela mulher deixou para os que lhe pediam conselhos, (desde como esquecer alguém até como potencializar o orgasmo) frases que servirão como setas indicando o caminho da mudança que certas mulheres precisam (inclusive aquelas que criticaram a "existência" da "Sra. viva a auto-estima").
No entanto, afirmo que cada pergunta que lhe era feita quer fosse como fazer um strip-tease, quer como esquecer uma antiga paixão, enfim, todas as questões vinham envolvidas pela "fera" que assombra 8 entre 10 mulheres (e homens também): A insegurança.Não adianta, se o mal da maioria dos homens é o egoísmo e a falta de perspicácia para reparar pequenos fatos, o mal das mulheres é a falta de segurança em si mesmas, provinda, via de regra, da carência, que é a "filha única mimada" da falta de amor próprio.
E, lamentavelmente, esta "família desconstituída" atormenta as mulheres. Não há prozac, frontal, lexotan, pamelor, plástica, lipoaspiração, polifenóis de alcachofra, botox (na testa, na boca, ou onde precisar), silicone nos seios, no glúteo, que curem a insegurança (ainda não se ouviu falar de "cirurgia para aumentar a capacidade mental”). A auto imagem pode melhorar, o sono aumentar, a necessidade de chocolate e doces diminuir, mas a insegurança e a carência só terminam com uma mudança efetiva na forma de se "auto projetar", na forma de pensar, e de encarar a vida.
Para isso existem pessoas como a mulher que aparecia na televisão (só lembro que o sobrenome era Penteado o nome esqueci). Pessoas que auxiliam as desprovidas do que ela possui (auto-estima) a crescer mentalmente e a se gostarem, posto que muitas mulheres se exigem muito por se compararem com as demais.
É possível ser a melhor amante, a melhor esposa, a melhor mãe e cozinheira, mas, para isso não se pode comparar é preciso fazer o seu melhor dentro da própria vida e das possibilidades que ela propiciou, ver o que nela se pode fazer de melhor, qual o caminho para o aprimoramento pessoal, ignorando que a outra faz uma massa melhor, que tem a bunda menor e o seio mais firme, que é mais bronzeada ou menos flácida, é preciso, (agora eu digo o "óbvio") se aceitar como é, amar o que tem e desejar evoluir, sem comparação depreciativa com os outros, mas tendo como "margem" o que melhor se pode ser dentro das próprias limitações..
Esse é o "óbvio" que a "não bela", mas sábia instrutora emocional-sexual possui em mente e que muitas donzelas, muitas musas, muitas crentes, enfim, muitas mulheres (e homens também) não possuem, e é isso que faz dela uma mulher especial e, inegavelmente, bem amada, afinal, apenas quem se ama pode ser bem amado, apenas quem se prioriza efetiva seus ideais, pois quer acompanhado, quer só, esta de bem consigo.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 11 de fevereiro de 2005.

A saudade, o passado, o presente e o futuro.

A saudade, o passado, o presente e o futuro.

O passado é aquele tempo que deixou de existir, o futuro é o tempo que não existe e trás consigo todos os mistérios e dúvidas do mundo, enquanto o presente é a vida, é o tempo da ação, é o tempo do sentir, do agir. O hoje é a vida, o amanha é a possibilidade, é a hipótese, a incerteza e suas dúvidas, que, para o covarde, ou seja, para aquele que não vive o presente, é "o tempo de ser feliz".Deixando para o amanha a vida, se desculpa por ignorar a possibilidade de aproveitar as chances, armar-se de coragem e ir lutar pelos seus sonhos.
Os sonhos são como um comandante severo que manda o homem para a o campo de batalha, se ele não for irá safar-se por covarde, mas não receberá congratulações, se for poderá ganhar e alcançar metas. Para auto-realizar-se é preciso arriscar, para viver é preciso arriscar, quem não arrisca esta vivo apenas, mas não esta vivendo: Vegeta calmamente no silêncio de seu marasmático ambiente de alienação.
O passado, o presente e o futuro são como barcos interligados por uma corda de aço que os junta a uma só âncora: Ela se chama saudade.Não sentimos saudade apenas do que passou, não sentimos falta apenas dos amores antigos, dos amigos que se mudaram, do pai que se foi, da mãe ausente, da esperança que a perda da inocência levou.Sentimos saudade do futuro!
Sim, sentimos saudade dos sonhos cujas sementes guardamos para semear no futuro e que, por algum fato do presente (ou do passado) perdemos, e nos faz ter que ignorar o sonho antigo para mudar de metas.Sentiremos saudade daquele sonho.Os sonhos futuristas distraem a alma e alentam o espírito que, enquanto sonha, pressiona as sementes com os dedos contra o chão, fugindo do hoje, ignorando a terra seca do presente, pensando que no amanha ela estará fértil.
A mulher que desejava ter um filho em 1 ano,tem seus planos frustrados ao saber que necessitará de tratamento para engravidar e que tal levará muito tempo.O futuro almejado mudará, e ela terá saudade dos planos e da idéia que fazia de si com 14 quilos a mais e um ser amado no ventre em poucos meses. O homem apaixonado que desejava fazer uma viagem com a namorada dentro de 6 meses, terá que mudar os planos diante do falecimento da mãe da moça, e em meio à lágrimas e lamúrias sentirá saudade da idéia que tinha em mente, de ambos na praia, se amando e conversando.O acadêmico que tinha os papéis adequados para o ingresso em uma pós-graduação em São Paulo, terá saudade dos planos e de sua imagem de "pós-graduando" dedicado na capital paulista, ao ser reprovado na defesa do trabalho de fim de curso. A jovem que marcou um encontro com um rapaz que não apareceu, sente saudade da esperança de alegria e envolvimento que tinha antes da frustração, e da idéia que fazia se ocorresse atração entre ambos.
Enfim, a saudade não é de algo concreto, sente-se saudade de sonhos, de pensamentos e de "idéias" que, sem serem concretizados traziam a idéia de felicidade, e é desta possibilidade, de alegria, paz e venturas que se sente saudade.
Sente-se saudade, também, de paz, de igualdade social, de amizade, de fidelidade, de companheirismo, de respeito humano, de afeto, de compaixão, de compreensão, de humildade, de partilha, de carinho, de humanidade.Faz falta, a inexistência de amor e respeito entre os homens, por isso temos saudade destes sentimentos e realizações, porque se fossem concretos ou concretizados muitas vidas, situações e atos seriam melhores, mais fecundos e grandiosos.
A música é algo que para todos trás lembrança, e toda lembrança remete à sentimentos e todo sentimento bom suscita saudade. Saudade de nossa alma na época em que a ouvimos, de nosso estado de espírito esperançoso, ainda que iludido, apaixonado ainda que por tempo curto (posto que passou), de nossa agitação pela espera de algo ou alguém, enfim, a maior saudade que uma canção trás é dos sentimentos que tínhamos e que, sendo nossos, notamos que é de nós mesmos que temos saudades (!).
Temos saudades de nós no passado, temos saudades da idéia que fazíamos de nós no futuro que ainda não chegou e que o presente já mudou. .Antes a esperança, a meta, o sonho, a empolgação, a música...Aquela música! Hoje, a frustração, a realização conforme a possibilidade do momento, a calma de quem controlou a ansiedade enfrentando as agruras da vida, a música do momento, para fugir das lembranças das quais, por mais que nos esquivamos não as afastamos.
Não nos afastamos das lembranças porque, elas são como as cicatrizes na pele que não saem do corpo: elas são as cicatrizes da alma. Como as marcas no corpo, podem ter sido adquiridas com uma queda lamentável, podem ter sido adquiridas em uma alegre escalada em uma macieira que se mostrou perigosa, pode ter sido adquirida em um escorregão no banheiro quando nos apressávamos para abrir a porta para a visita de alguém, independente, pois de terem sido adquiridas por bons ou maus motivos as cicatrizes no corpo marcam, assim como as lembranças, cicatrizes da alma.
Elas não saem de nosso espírito, contudo não provirem de motivos agradáveis. Ao nos lembrarmos de algo sentiremos saudade do que fomos naquele momento, ainda que a cicatriz tenha provindo de uma desilusão, podemos ter certo saudosismo da inocência que tínhamos antes daquele fato.
Porém, é no hoje que vivemos, e a saudade não pode tornar-se melancolia, porque quando lembramos e exprimimos um suspiro de "que bom era", devemos suscitar a certeza de que o dia de hoje esta acabando e que amanha é por ele que iremos suspirar, porque é humano regozijar-se com o que lembramos e não valorizarmos nosso hoje, e principalmente à nós mesmos e à nossos sentimentos presentes.
Se no ontem tínhamos ilusões e sonhos, hoje temos realizações e marcas de luta e maturidade, se antes tínhamos esperança hoje temos novos motivos para enfrentarmos novas batalhas, e conhecemos melhor o caminho da realização. O ontem, porém, será lembrado, pois algumas circunstâncias e sentimentos se eternizam na alma do homem que se constitui do que viveu, do que sentiu, do quanto se doou e amou. Lembrar é reviver a si mesmo, lastimar , no entanto não é sentir saudade.Lastimar-se é se afogar no poço da melancolia, abdicando de novos sonhos, novas lutas e nova vida, pois a vida se renova diariamente para quem a aprecia com atenção e a deseja, feliz, com ardor.
Quem lastima demais desistiu de mudar e de avançar na vida, quem sente saudade relembra com sorriso o que foi, mas anima-se para que, no barco do futuro, tenha boas lembranças do presente, do que foi, como agiu e quão intensamente o gozou..

Cláudia de Marchi

2005.

A ficção do "tarde demais"


A ficção do "tarde demais"

O decurso do tempo que faz uma fruta perecer faz o sabor do vinho se acentuar. O mesmo tempo que trás rugas na face dos pais chegará para os filhos, trazendo maturidade e as responsabilidades. O tempo que relativiza a beleza jovial engrandece e enobrece a alma do individuo que amadurece.
Na vida humana não existe o "tarde". Nunca é tarde para mudar, nunca é tarde para pedir perdão, nunca é tarde para amar e para entregar o coração que se manteve em silêncio quando o "tarde" era cedo, ou era, simplesmente o "momento inadequado".
Realmente as oportunidades passam, as oportunidades não voltam. Mas, esta no livre arbítrio do homem a busca para concertar os lapsos do passado, distante ou próximo e criar novas chances, novas oportunidades.
Como na culinária, na vida humana nada se perde porque o tempo transcorreu. É possível engrossar o molho, é possível suavizar o sabor salgado da comida, é possível fazer omelete dos ovos, é possível fazer geléia com as uvas maduras, rabanadas com o pão envelhecido, basta certa inteligência e criatividade.
Para o homem bastará sensibilidade e coragem para agir e mudar a situação que, possivelmente tenha criado. O que é inaceitável é a afirmação de que não pode fazer nada para mudar as circunstâncias, ou a si mesmo, afirmando, ao tratar de seu gênio, por exemplo que "sempre fui assim, é meu jeito".
Se a pessoa justifica sua forma de agir é porque possui ciência que pode ser diferente e, quiçá, melhor, o problema é que a tarefa de evoluir requer que responsabilidades sejam assumidas, e muita coragem para correr riscos.
O homem é "Deus" para sua vida, as chances lhes são dadas, depende dele mudar, agir e assumir a imensa responsabilidade que tem pela sua felicidade. Nunca é tarde para ser feliz, o tarde não existe, é apenas mais uma barreira que o negativista impõe-se: "Tarde demais", por que, na vida, é muito mais fácil cruzar os braços, chorar e se conformar do que ir adiante, agir, forçar a cicatrização de feridas enquanto se tenta recuperar o que foi "perdido". A situação implica em não lamuriar pelo leite derramado, mas em limpar a sujeira sem reclamações inúteis.
Com garra e vontade nada jamais será perdido. Abaixo do céu e acima da terra sempre haverá formas de conseguir o que se deseja.A impossibilidade só existe para o corpo sem vida, para o qual não há mais possibilidade de amar, de perdoar e de ser perdoado.Se o "tarde demais" existe é apenas uma vez na vida, que se dá no momento pelo qual, quem sentiu e passou jamais pode contar - a morte.
A vida é um mundo de oportunidades, um mundo de chances em que, para o velho e para o novo, sempre será cedo se as intenções forem boas, porém o mudar, o agir posteriormente à oportunidade em que se manteve inerte, requer o mais difícil dos atos: O de perdoar a si mesmo.
Uma das maiores aflições do ser humano consiste na dificuldade ou incapacidade para perdoar-se. De um ponto de vista "antimetafísico" nenhuma opinião, nenhum amor, nenhum perdão, é tão importante quanto o do homem para consigo, e para com os outros somente tais sentimentos e atos serão sinceros se existirem na alma de quem os sente. É necessário autocompreensão, e ausência de autopiedade para que, com a constatação da necessidade de mudança, o homem se encoraje para ir à luta, para mudar a si mesmo, para mudar suas contingências, enfim, para mudar sua vida e realizar seus desejos.
Sonhos não existem para figurar no imaginário, se assim for, se tornarão ilusões. O sonho deve ser o prelúdio da conquista, que não afasta a necessidade de luta, abdicação e perseverança.Para quem sonha, não existe "tarde", tampouco oportunidade "perdida", quem sonha esta vivo, e quem esta vivo ressuscita oportunidades e chances que apenas não emergem com a morte de quem as desejou.

Cláudia de Marchi

2005

terça-feira, 18 de novembro de 2008

A melhor defesa

A melhor defesa


Tem muita gente por ai que ainda acha que a melhor defesa é o ataque. Mas não é, a melhor defesa é o uso da razão enquanto o outro, descontrolado, consegue perde-la facilmente. Conheço muitas pessoas que atacam, acusam, ofendem, e, enfim, magoam para defender uma possível razão que, se tinham, acabam por aniquilar com sua atitude "desproporcional" ao possível agravo.
A capacidade de ponderação, de ouvir o outro e suas explicações, o que enfim se passa na mente alheia, a capacidade, inclusive de perceber que, como nós, o outro pode se expressar de forma equivocada, ou seja, fazendo presumir algo que não deseja e tampouco ache verídico é um sinal de maturidade.
Por outro lado, humilhar, usar de argumentos grotescos, pesados e aviltantes não serve para nada. Não leva à reconciliação, à reconstrução da amizade ou de qualquer laço afetivo, na verdade corrói qualquer espécie de carinho que possa existir, macula sentimentos e, principalmente o respeito alheio.
Antes de falar, de jogar pseudo-verdades dolorosas e humilhantes para o outro é preciso ponderar seus argumentos, suas explicações, sob pena de, mesmo tendo um certo "ar" de razão, terminar por faze-lo evaporar para longe, afinal a violência, seja ela física ou verbal, pode ser letal em relação a todos os nobres sentimentos,do amor ao respeito, sem o qual relação nenhuma sobrevive.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 18 de novembro de 2008.

sábado, 15 de novembro de 2008

A alma livre

A alma livre

A liberdade assim como todas as dádivas humanas se goza na alma. O homem não é livre porque esta só, porque não tem mãe, pai, irmãos, irmãs, namorada ou esposa junto dele, porque não "deve satisfações" à ninguém. Não é o outro, o "alheio" quem influencia a liberdade humana. O homem só é livre quando tem a alma livre, quando sente-se bem em si mesmo, consigo mesmo, quando sente o poder de gerir sua vida, seus sentimentos, sua liberdade, enfim.
A liberdade de espírito é a única liberdade verdadeira, o homem que a tem não se sente preso nem mesmo dentro de uma jaula. Ser livre no espírito é não se sentir inferior a nada nem a ninguém, é se sentir bem com a própria consciência e forma de sentir, de pensar. É não ter medo de amar, de se expor, de admitir as próprias fraquezas de reconhecer os próprios méritos, é não se subjugar aos pensamentos e criticas alheias.
É poder se ver só, mas não incompleto no mundo, é poder estar acompanhado diariamente sem se sentir escravo do outro, porque livre dentro de si mesmo. É poder ser de um amor sem se sentir fora de si mesmo. Ser livre não é atributo daquele que acha que não tendo nenhuma companhia afetiva pode fazer o que deseja: O homem que ainda não tem a alma liberta não consegue se entregar ao amor, por outro lado, o amor verdadeiro liberta, dá ânimo, empolga.
Aquele que precisa apregoar para o mundo que se auto-determina e que sempre se "manda" não é livre verdadeiramente, no fundo é escravo da opinião alheia, de preconceitos, de medos. O homem livre não perde sua liberdade por estar nesta ou naquela situação. Uma vez conquistada a liberdade de espírito ela jamais é perdida, pelo contrário, é cultivada e se expande. Depende mais da autoconfiança, auto-estima e alegria de viver do que de qualquer situação exterior.
Enfim, ser livre é ter o espírito e a alma libertos de medos, de receios, de preconceitos, de pré-julgamentos. É saber que o mundo é seu, que a vida esta em suas mãos para ser gozada sozinho ou acompanhado, que quando queremos nada pode nos aprisionar, porque a liberdade verdadeira é aquela que transcende a matéria, transcende o corpo do homem. Ninguém, pois aprisiona um homem de alma livre.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 15 de novembro de 2008.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O "bye, bye" do amor

O "bye, bye" do amor

Quantos poetas, filósofos, psicólogos, psiquiatras e até mesmo neurocientistas tentaram conceituar o amor? Vários, inúmeros. A tentativa e até mesmo a possibilidade de cada pessoa dar um conceito pessoal para tal sentimento é humanamente compreensível, todavia, na sua essência o amor reúne uma série de fatores inexplicáveis que só quem ama sente e pode (ou tenta, sem lograr êxito) aferir e justificar.
Amar é admirar a pessoa apesar de seus defeitos, é continuar tendo paciência, tendo encanto e vendo magia no convívio com o outro mesmo quando ele age de forma contrária a nossas espectativas. Amar é aprender a ser tolerante, amar é tolerar os defeitos sem irritação, ou melhor, com menos irritação do que os que não amam.
Um dos sinais de que uma relação esta no fim, de que o amor findou, é quando o outro começa a se tornar irritante, quando, na verdade, continua sendo o que sempre foi, mas a falta da admiração, da intensidade, pois, do amor, faz com que vejamos o que antes era um "detalhezinho pouco agradável da personalidade alheia" como um imenso problema.
Amar é ver o outro ao lado e visualizar o amanha ao seu lado, é saber que apesar dos percalços é a sua parceria que nos satisfaz, o seu toque que nos conforta a sua mão que nos dá firmeza. Sem parceria, sem cumplicidade, sem boas risadas e algumas lágrimas juntos inexiste amor ou relacionamento amoroso que dure.
Parceria só para a cama? Se consegue uma por noite, via telefone, internet, ou saindo pra baladas. Parceria pra bebedeira e festas? É só chamar os "amigos" e bancar o "festerê". Parceria para dar força na carreira? Existem consultorias especializadas. Parceria só para desabafo? Existem os psicólogos. Parceria para dormir todas as noites e acordar feliz? Existem os ansiolíticos e antidepressivos.
A parceria entre pessoas que se amam inclui todas as espécies dela. O amante é o parceiro que nos completa na cama, nos alegra nas festas, nos acompanha nos programas "meia boca", no final de semana chuvoso ou ensolarado, que nos incentiva a crescer em nossa profissão, que nos ouve, compreende, mas que nem sempre nos dá paz para dormirmos e nem sempre nos deixa feliz. A felicidade é algo pessoal, amor e o ser amado não são remédios para nossas frustrações. São pessoas, seres humanos, complementos em nossas vidas (imperfeitos como nós), jamais "soluções".
Pode ser que um dia tenhamos raiva, que um dia sintamos vontade de deixar aquele que julgamos amar, pode ser que por alguns instantes queiramos sufoca-lo com um travesseiro. Crises? Briguinhas? Acontecem. O que não pode acontecer é o desgosto, a decepção, o sentir-se constantemente chateado com o outro, o perder a admiração ou a atração. Quando isso acontece, uma coisa é certa, o amor disse "bye, bye".

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 14 de novembro de 2008
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quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Castelos arruinados

Castelos arruinados
É preciso mais do que coragem para romper com planos. É preciso humildade. O ser humano vive de planos, por mais que tente apregoar o “viver um dia de cada vez”.A gente pode curtir um dia de cada vez, mas sem planos para um amanha, próximo ou futuro, ninguém levantaria da cama. Ninguém teria entusiasmo para trabalhar, para batalhar, para entregar o coração e a confiança à alguém que possa ser tido como digno deles.E, assim, a gente trabalha hoje, vive o hoje, devendo aproveitar ao máximo nossos momentos com quem amamos e fazendo o que gostamos, mas pensamos no que poderemos fazer em nossas férias, no final de semana, na jantinha especial com a pessoa amada.A gente se encontra hoje, rola a química, e ficamos pensando num próximo encontro. A gente namora e pensa como será a pessoa amanha, se nossas metas serão convergentes, se poderemos formar uma família legal, com comunhão de pensamentos e sentimentos.Mas, e quando algo surge e bloqueia a estrada de nossos planos? Quando a gente percebe que aquela pessoa não nos completa, não nos faz feliz, não será aquela que no amanha irá nos alegrar, ser um bom companheiro, uma boa parceira? E quando a gente vê que a moça linda que esta ao nosso lado não nos palpita nada mais que atração, carinho, amizade?E quando o trabalho nos descontenta? É difícil aceitar o fim de uma relação, é difícil aceitar e admitir que, por algum motivo e em algum aspecto fracassamos. Por motivos alheios ao nosso ânimo e entusiasmo inicial nossa relação fracassou, nosso negócio deu errado, nossas amizades enfraqueceram.É preciso coragem para dar um basta em algo, é preciso aceitar a nossa impotência diante de certos motivos, as nossas culpas em relação a outros, as nossas omissões que se tornaram falhas sérias, precisamos rever nosso agir, aceitar o que fizemos de errado, de certo e compreender que nem sempre o fracasso depende unicamente de nossa conduta, mas a sua aceitação sim, depende unicamente de nossa maturidade, coragem e humildade de espírito.Se é difícil assumir o fim, a frustração, o “tentei, mas não deu certo”, o “lutei mas perdi a batalha”? Sim. Se dói? Muito, e no orgulho. Na verdade é o orgulho que nos faz insistir e sofrer ainda mais, é ele que nos faz fazer de uma batalha uma guerra visando uma vitória que não existirá, porque se fosse para existir não seria necessário lutar, batalhar, pisar em cima de orgulho e de outros valores, o que é pra dar certo, dá sem tanto padecimento.O ser humano sofre pelo próprio orgulho e teimosia. Frustra-se, cria castelos de planos, destrói castelos, mas de seus destroços reconstrói sua auto-estima com mais sapiência. Cresce enquanto pessoa adquire méritos de valores inestimáveis, impassíveis de serem adquiridos por qualquer fortuna.
Cláudia de Marchi
Passo Fundo, 10 de novembro de 2008.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Não mais, mas melhor.

Não mais, mas melhor.

Desejamos mais. Desejamos mais dinheiro, mais trabalho, mais poder, mais beleza, mais afeto, mais carinho, mais sexo, mais prazer, mais trabalho, mais comida, mais viagens, mais carros, mais felicidade, mais paz. 
Desejamos mais, tudo mais.Muitas vezes esquecemos, nesta ânsia do "mais" ter e do "mais" ser, que podemos desejar o melhor.
Podemos investir melhor o dinheiro, trabalhar imprimindo melhor qualidade, termos força e utilizarmos o poder que ela nos dá da melhor forma, podemos ser melhores como pessoas e não mais belos, porque se a intensidade da beleza se degrada a intensidade da alma se engrandece, deveríamos imprimir mais qualidade em nossas relações de amor e amizade, demonstramos melhor nosso afeto, abraçando com mais alma, beijando com mais essência, e não beijando e abraçando mais, sem sentir o outro. 
Devemos ser mais carinhosos, fazer sexo melhor, não com qualquer pessoa com a qual não conseguimos nem conversar depois, deveríamos buscar um sexo melhor, brando ou animalesco, (ou ambos), com quem nos deixe de pernas bambas fora da cama também, para que o prazer seja melhor e maior, não apenas reiterado e incompleto, porque apenas físico,deveríamos desejar que o gozo mental anteceda e acompanhe o gozo físico, isso é fazer melhor, sentir melhor a mente, usufruir melhor do corpo.
Deveríamos viajar para onde desejamos, com quem amamos, para que a viagem seja melhor, deveríamos aproveitar melhor os momentos para curtirmos a felicidade que esta a nossa porta, mas que atropelamos porque não temos "tempo" para abrir-la enquanto nos preocupamos que temos que fazer mais, ganhar mais, dormir mais,conquistar mais,enfim nos preocupamos com "tudo o mais".
Façamos pouco, mas façamos de coração, demos nosso sangue, nossa força, doemos nossa essência e energia, mas façamos melhor. Façamos com qualidade. Dormimos pouco? Mas vamos dormir com qualidade. Vamos ter um sono profundo e sonhos intensos. Vamos ter o sono dos que cumpriram a missão de tentar se tornar seres melhores.
Vamos conquistar poucas pessoas, mas conquistemos quem desejamos, vamos trazer para nossa alcova nossa amada e não uma série de amantes. Vamos ter uma apenas, mas intensamente e não muitas superficialmente para dizermos que temos mais.
Quem deseja apenas ter mais não vive conforme o "live and let live", pelo contrário, vive controlando e seguindo os passos alheios para comparar-se, e, se covarde for, desejando o tropeço alheio. Quem deseja ser melhor e aprimorar-se na vida vive e não interfere, física ou mentalmente nos anseios e na vida alheia, apenas respeita, e deixa o outro viver, porque se preocupa, realmente, com seu aprimoramento.
Coitados dos que têm mais e não sabem que o valor esta em ter o necessário, e o simples, mas ter o melhor e fazer do que se tem, do que se sente, e do que se é, algo melhor. Nós não somos o que acumulamos a mais, somos o que aprimoramos em nossa vida. Seremos melhores se transformarmos 3 laranjas em suco, e não as desperdiçamos do que se comprarmos 15 e deixarmos apodrecer.Seremos melhores se fizermos uma mousse com a metade do vidro do suco de maracujá que esta a uma semana no refrigerador, e não se comprarmos mais um vidro e deixarmos guardado até o sabor ficar ainda mais azedo.
Somar, acrescentar não é melhorar. Melhorar pode ser diminuir e intensificar a qualidade do que temos, pensando no futuro, intensificar a qualidade de nossa alma visando a eternidade.Vender um móvel ou imóvel é diminuir, mas se o dinheiro for investido em algo será aprimorado o patrimônio. Diminuir a incompreensão e o medo aprimoram as oportunidades de nos sentirmos melhor e sermos seres humanos melhores.
O que temos a mais poderá nos ser tirado e diminuído, e, se estivermos com nossa auto-estima pautada no excesso que acumulamos iremos esvaecer, no entanto, o que temos em nosso interior de aprimorado e de melhor não será tirado, e, se um dia abalado for, saberemos com exatidão o caminho que nos torna, e nos tornou melhores.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo/RS
, 15 de abril de 2004.

Eu, Schopenhauer e a maldade.

Eu, Schopenhauer e a maldade.

Folhando papéis antigos encontrei uma citação do único filósofo que minha mãe, (que nunca foi dada a leituras), leu e me deu o livro do qual tirei alguns trechos e anotei em uma "agenda" há muitos anos atrás. Bem, era um livro de Arthur Schopenhauer, e a citação que inseri em minha agendinha adolescente dizia o seguinte: "Quanto mais enxerga as distinções - ou seja, quanto mais inteligente é -, maior é a dor que o homem sente: aquele que é dotado de gênio sofre mais do que os outros."
Certamente a citação se adequava aos meus sentimentos de adolescente, em uma cidade estranha, sem irmãos, e, como sempre, "estranhando" as companhias, afinal dos 12 aos 16 anos (ou seria dos 10 aos 18?) eu me sentia uma espécie de "Carrie - A estranha", menos macabra e feia é claro, mas "estranha" porque não encontrava justificativa para dores e sentimentos que ninguém se importava, não encontrava explicação para a maldade, para a inveja, para a falsidade, enfim, para todas as manifestações de ignorância humana que sempre irão me perseguir (que perseguem todo o homem de alma pura). Ou melhor, eu me sentia "perseguida" porque sofria com tais sentimentos desgraçados: a maioria não sofre porque não sente.
Mas a vida surpreende. Amadureci, evolui, aprendi a ignorar o que poderia me afligir, contudo percebi que não adianta fugir do que nos cerca: A ignorância humana. Não sei se sou "inteligente" no sentido dado por Schopenhauer, mas sempre enxerguei as distinções, e fui (sou e serei), como muitos, ferida pela maldade humana. Creio, porém, que a dor que sente quem não consegue entender o "porque" do agir humano maldoso e egoísta sofre como aquele que leva uma surra, porém a dor é na alma, e a ferida se abre nela, que fica cansada, como o corpo de um lutador após uma batalha.
Quem sabe analisar e vê o desagradável constata o que aqueles que não analisam senão as superficialidades não vêem, e sofre por, muitas vezes, não encontrar compreensão para sua agitação mental, para sua frustração com o mundo, pois assim como os fúteis, muitos ignoram a maldade por acovardarem-se em idealismos incoerentes e distantes da realidade, e outros, simples e lamentavelmente, já se contaminaram com o pensar da maioria.
Aquela, tão (por mim) falada maioria que não pensa nos outros, a maioria que fala em pecado - fala em inveja, fala em cobiça, fala em preguiça, fala em vaidade, enfim critica os atos vis do ser humano e age contra o maior preceito de bondade: não fazer para os outros o que não se deseja para si.
É constatando a ausência deste "pensar e colocar-se no lugar do outro" que fez com que na infância, na adolescência e que agora na fase adulta, contudo jovem, eu estranhe o mundo. Estranhe a futilidade, a supervalorização do que é perecível, que faz com que até mesmo os relacionamentos se tornem vulgares e frívolos. Busco e encontro explicações para muitas agruras humanas, mas não consigo deglutir a falsidade, a ignorância, o egoísmo, a futilidade, a arrogância, as obsessões e apegos desprovidos de respeito. Não, consigo, enfim, assimilar a falta de respeito dentre seres iguais, dentre os seres humanos.
Não fazer para o outro o que não desejamos que nos façam é a maior prova do respeito e do amor ao próximo que impede a ocorrência de grandes barbáries até pequenas injustiças que doem como um corte de gilete que, contudo pequeno, é difícil fazer parar de sangrar.
Concordo, pois, com o único filósofo que minha mãe leu. Daquela citação jamais esquecerei, ou, ainda que, com o tempo, da minha memória ela se apague, tenho certeza que seu significado será, lamentavelmente, constatado durante toda minha existência, vez que não posso fugir de meu próprio gênio, de minha própria alma e da sensibilidade que lamenta, constantemente, a falta dela na maioria das pessoas.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo/RS
, 12 de junho de 2005.

No limite.


No limite.

No limite. Não, não se trata de nome de programa de televisão imbecil. No limite é onde o ser humano que leva uma vida atarefada esta essa época do ano. Tem aqueles que estão no limite do cheque especial, no limite da força física, no limite da saúde psíquica, mas, a grande maioria esta é com a paciência no limite.
Certamente se o ano não estivesse a um passo do fim não averiguaríamos tal realidade. A gente só sofre esta época porque paramos para pensar no que fizemos, passamos e enfrentamos no ano que finda, nas tarefas, no esforço condecorado ou, simplesmente, ignorado, nas frustrações, nas surpresas, enfim, em tudo que nos aconteceu e que fizemos acontecer. Se o ano não tivesse fim não desenvolveríamos a consciência de que estamos na linha tênue entre a sanidade e a loucura.
Vontade de jogar tudo para o alto, de fugir para uma praia com uma companhia bem legal, para comer, dormir, beber e outras cositas mais. Apenas descontração e alegria para desestressar o corpo e a mente. Mente de pessoas honestas que trabalham, pagam impostos e quando precisam de médico enfrentam o horror chamado SUS, quando precisam de segurança, bem, dai já é tarde demais, é melhor entregar a bolsa e esperar na fila para registrar um boletim de ocorrência.
Pessoas que confiam, que dão o seu melhor, que são amigas, parceiras e muitas vezes só sentem o gosto amargo da inveja alheia e encaram falcatruas de traidores. No limite, onde mais podem estar estas criaturas? Trabalho, esforço, cansaço, juros altos, amizades de aparência, relacionamentos sem parceria, dias quentes, falta de tempo para quase tudo que se precisa fazer. No limite, este é o lugar.
Por essas e por outras razões é que os loucos são felizes - alheios a realidade e seus inconvenientes, afinal, muitas vezes, para eles tudo é motivo de riso. Mas nós temos uma cabeça que funciona bem (?) e que esta no lugar, todavia, nessa época, esta doidinha para sair um pouco fora do pescoço - mas não pode. A razão não deixa.
Nada, pois, como a esperança para nos fazer rir e sonhar. Um novo amor, um novo ânimo, uma nova meta, um novo sonho, uma nova busca. Chega um ano com novas possibilidades, finda um em que o melhor possível foi feito.
Os resultados não têm tanta importância, o importante mesmo é saber que houve esforço e garra porque estes sempre serão necessários. Passa ano, vem ano, o homem sem garra, esperança e força de vontade não é nada.

Cláudia de Marchi

Passo Fundo/RS
, 22 de dezembro de 2006.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Relações Passatempo

Relações Passatempo

Bom se não fossemos loucos por andar com um questionário em mãos. Ah, o cara interessante te convidou pra jantar? Você foi. Convidou para um cinema, demonstrando maior interesse, você foi e deu pra ele um questionário. Bem, dai ele sumiu e espalhou para todos os seus amigos que você é pirada. Fazer o que? É impossível usar o "questionário da verdade pré-paixão" e não ser mal julgada.
Ora, mas que questionário infeliz é esse? Não, não é um questionário infeliz, é o questionário pré-paixão, pré-amor, pré-relacionamento. Nele deveriam conter perguntas simples como: O que você espera de um homem (mulher) dentro de casa? Você deseja uma boa profissional ou uma boa dona de casa? Você tolera uma pessoa comunicativa, humorada e simpática para com todos? Você aceita o marido extrovertido que se relaciona bem com todas as amigas e colegas de trabalho? Você aceita uma pessoa cuja profissão o coloca em contato com pessoas do sexo oposto? Você aceita uma mulher que tenha pouco tempo para ficar em casa? Uma mulher que não cozinhe muito bem, mas que consiga, ao menos comprar comida com o dinheiro dela?Você quer uma dona de casa? Uma colega de trabalho subordinada? Você aceita um homem que quer ser casado e poder sair de casa a hora que deseja sem dar satisfações como se solteiro fosse? Você se sente bem com uma mulher ou com um homem que apesar do trabalho acha sexo relaxante e gostaria de ter todos os dias?Você conseguiria assumir a posição de marido e as limitações a liberdade (e responsabilidades) que tal vida impõe? Você gostaria de compartilham momentos de diversão e diálogo com sua mulher ou marido ou acha que "conversas e programas legais" se faz apenas com amigos? Você deseja ser pai ou mãe e assumir tal responsabilidade? Você esta disposto a tolerar as variações de humor da mulher na época da TPM?
Sim, é um longo questionário. Praticamente insano, mas que, fosse respondido com sinceridade evitaria que muitas relações fadadas ao fracasso nascessem, afinal, muitas vezes, pessoas que discordam nesses e em outros pontos se apaixonam, se envolvem, e não conseguem se desencilhar, mesmo estando evidente a diferença de anseios, de tolerância e de expectativas de vida de cada um. "Ah, mas tem que curtir o romance, o namoro." Sim, tem, mas ninguém se relaciona seriamente com alguém para serem "eternos namorados".
O namoro, hoje em dia, é o prelúdio da união estável, do casamento. Os casais querem compartilhar seus dias quando se amam verdadeiramente, se curtir na intimidade, superar os percalços e tirar proveito disso. Tem problemas?Briguinhas, desentendimentos? Claro que sim, mas nada que uma boa dose de diálogo, carinho e paciência não resolvam, os resquícios de brabeza se resolvem numa boa noite (tarde ou manha) de amor e o sorriso volta a face.
Vida de casado não é prisão, mas requer limitações. Ninguém, tendo um marido em casa pode colocar um vestido, salto alto, pegar a chave do carro sem desejar ouvir a pergunta "para onde você vai?", são situações normais, ninguém pode desejar ser amado e viver com alguém que não queira curtir sua companhia. Quem não tem maturidade ou paciência para isso, deve, simplesmente, conformar-se com a solidão e passar a vida vivendo conforme se acostumou, como entrou no mundo: Sozinho.
Quanto ao questionário? Tolo, insano ou não, seria interessante que pudéssemos entrega-lo ao pretendente antes da paixão surgir. Talvez muito sofrimento, muitas relações baseadas mais na paixão do que na razão seria evitadas. Seriam, literalmente abortadas, porque na ausência de certas aceitações e compreensão não existe amor que resista, relação que siga em frente, da mesma forma que não existe relacionamento que viva apenas o presente. Quem ama sempre pensa um pouco no amanha, no que "seremos juntos no futuro", do contrário não é amor, é "curtição", relação com nome de bolachinha recheada: "Relação passatempo".

Cláudia de Marchi

Passo Fundo, 06 de novembro de 2008.